Observar as crianças brincando na praia sempre é algo especial. Observar seus diálogos pode ser algo realmente surpreendente. Nesse feriado fui para a praia, como de costume. Minha filha conheceu uma nova amiguinha durante o feriado, sua xará, a Maria Eduarda. O pai da Duda deve ter por volta de uns 30 anos e tem deficiência, foi uma vítima da Talidomida.
Nós pais, por uma questão de sobrevivência, costumamos nos revezar na beira da água enquanto nossos filhos brincam, é quase um código secreto estabelecido. Era a vez dos pais da Duda tomarem conta das crianças enquanto eu observava de longe os acontecimentos. As meninas resolveram sair da água e vieram brincar na minha barraca. As duas na sombra do guarda-sol começaram a conversar enquanto faziam um castelo ou qualquer coisa que fosse aquilo. Minha filha começou o diálogo (cabe ressaltar que minha Maria tem 4 anos e sua amiguinha Duda 3 anos):
– Duda, seu pai esqueceu o braço em casa?
– Não, ele sempre foi assim.
– Mas, quando ele tirou o braço os músculos não apareceram? Nota particular de mãe: confesso que quando ouvi essa pergunta fiquei muito orgulhosa da minha filha, um raciocínio anatômico perfeito para uma criança.
– Não vi.
– Ele gosta de brincar na água com a gente, né? (Ela é paulistana da Mooca, daqui a pouco além do “né” começará a falar “meu”, é quase genético!)
– Sim.
– Seu pai sabe nadar?
– Ele sabe.
– Ah, tá. Pega a pá pra mim?
Os diálogos sobre a grande cidade de areia que faziam e as brincadeiras continuaram até as duas resolverem que era hora de voltar pra água e, dessa vez, era minha vez de tomar conta das mocinhas.
Enquanto elas conversavam fiquei apenas observando a cena e imaginando onde aquela conversa iria chegar. Da forma mais natural do mundo, as duas resolveram as dúvidas que tinham uma acerca da outra, sem nenhum tipo de constrangimento ou bloqueios. Apenas esclareceram o que era diferente no ponto de vista delas.
Maria estuda em uma escola onde a inclusão é tratada da forma mais natural possível, crianças com todos os tipos de deficiência convivem no mesmo espaço. Não se trata de um processo de integração da criança com deficiência, um processo mais restrito e individualizado, onde a dificuldade está na pessoa com deficiência e ela poderá ser incluída no ensino regular se suas condições assim permitirem e ela é quem deverá se adaptar à escola. Na escola da Maria a inclusão pode ser observada de fato, o meio se adaptou para receber as crianças com deficiência, tornando o processo coletivo, preparando TODAS as crianças para exercerem sua cidadania.
Cadeirantes circulam livremente pela escola e todas as crianças sabem que eles têm preferência, que deverão sair primeiro pois precisam de alguns cuidados para serem colocados em seus meios de transporte. As crianças com transtorno global do desenvolvimento também estão presentes, algumas seriamente comprometidas tanto física como intelectualmente, mas sempre estão incluídas nas atividades. Não raramente, enquanto as crianças estão sentadas esperando o portão abrir e os pais chegarem para pegá-las, e, invariavelmente, conversando umas com as outras, as crianças com deficiência nunca são excluídas do bate papo, mesmo que com respostas pouco expressivas a nossos olhos ou com a ausência de respostas, as crianças se entendem e concordam, ou não, umas com as outras.
O questionamento acerca das razões pelas quais elas precisam usar cadeiras de rodas, muletas ou qualquer que seja a órtese necessária são tratadas com naturalidade e, sanadas as dúvidas, é hora de continuar a atividade, não que ela tenha parado em algum momento. Simples assim, natural assim, humano assim.
Por que os adultos têm que tornar o simples tão complicado? Qual é a dificuldade em respeitar o espaço do outro assim como as crianças podem fazer? Basta mostrarmos pra elas que o diferente existe, que não é melhor nem pior, é, simplesmente, diferente.