Vou pedir que me façam um favor hoje. Peguem uma caneta BIC. Agora, tirem sua carga e a tampinha. Feito? Olhem através do cilindro. O que podem ver? Eu posso ver um ponto e vocês? É exatamente assim que João é capaz de enxergar, um ponto. E, apesar de poder ver apenas um ponto, ele ainda precisa usar lentes corretivas para poder ter maior clareza. Sim, João é uma pessoa com deficiência visual desde os 14 anos de idade.
Desde 1 ano de idade João luta pela própria vida e, com a ajuda de sua mãe, cruzou a linha de chegada, ganhou o troféu e hoje brinda sua vitória. João é um ser humano simplesmente fantástico. Ele enxergava normalmente, mas devido a um descontrole de seu quadro de hidrocefalia perdeu a visão por “esmagamento” do nervo óptico.
Sempre freqüentou a escola normal e com sua força e empenho conseguiu se formar. Hoje ele tem 25 anos, se formou ano passado e agora é um brilhante bacharel em Ciências da Computação. Ah, ele irá se casar novembro. Atualmente ele trabalha como programador de computador em um grande banco de São Paulo.
Mas as coisas não foram tão simples assim. A começar pelo seu deslocamento pela cidade. João mora em uma cidade, trabalha em outra e estudava em outra. Isso o obriga a usar todos os meios de transporte possíveis, trem, metrô, ônibus e algum tempo de caminhada. Hoje, ele tem a companhia de Zani, sua linda cão-guia. Como usa óculos, as pessoas não acreditavam em sua deficiência visual, não permitindo que usasse o acento preferencial ou o ajudando em situações banais, como atravessar a rua. Hoje, com a fantástica Zani, as coisas mudaram, ela se coloca na frente de quem ocupa indevidamente o acento preferencial e encara a pessoa até que ela saia do local.
Na escola, as coisas também não foram simples. No colégio, contou com a ajuda dos colegas de classe e dos professores que passavam os materiais ampliados para que ele conseguisse estudar. Já na universidade, onde as coisas deveriam ser mais fáceis, pois já existia tecnologia disponível para pessoas com deficiência visual, faltava ainda formação humana. A maioria dos seus professores não liberavam o material para que ele pudesse ouvir o material digitalizado usando leitores de tela, que são programas de computador que auxiliam as pessoas com deficiência visual a terem acesso a conteúdos digitais. Alguns de seus colegas de classe o auxiliavam, mas João contou, de fato, foi com sua força de vontade. Quantas reprovações João contabilizou em seu histórico escolar? Nenhuma. Sim, ele, mesmo sem poder ver, nunca foi reprovado e não pensem que foi por seus professores terem facilitado sua vida (se nem o material digital liberavam para que ele pudesse estudar quanto mais a nota, acorda Alice!!!), foi por sua capacidade.
João é uma pessoa incluída em sua empresa, em sua casa, em sua vida. Sua autonomia é tão grande que sua visão é apenas um detalhe. Não pense que ele tem algum tipo de ressentimento com quem não facilitou sua vida, sabe que isso apenas o tornou mais forte. Ele é capaz de enfrentar qualquer desafio e não se intimida diante da adversidade.
Tenho certeza que João torna mais humano quem cruza com ele, ele tornou-me mais humana.
Mas será que ele precisaria ter um percurso tão sinuoso e tão hostil? Se seus professores entendessem que a linguagem, a comunicação e as múltiplas formas de expressão, seja ela cultural, artística ou educacional são constituídas, basicamente, por imagens e símbolos complexos e sofisticados eles poderiam entender as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência visual. O universo escolar não é diferente, seus conteúdos são igualmente permeados por imagens. Eu sempre acreditei que experiências de vivência fazem toda a diferença, por isso acho fundamental que os professores possam experimentar como uma pessoa com baixa visão ou cega é capaz de ver mundo. Acredito que assim é possível recriar estratégias específicas para cada aluno. Esses alunos necessitam de um ambiente estimulador que lhes permitam explorar seu referencial perceptivo particular. No mais, eles não diferem em nada de seus colegas…
No meu entender o que precisamos em qualquer circunstância é entender, de fato, a palavra humanização. Quando nos apropriamos dela somos capazes de recriar qualquer situação.