Ei você, eu existo!

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Sempre achei que um dos sonhos de todos os pais fosse a independência de seus filhos. Não importa se filhos ditos normais ou com alguma deficiência, seja ela qual for. E é exatamente sobre isso, a independência de nossas crianças, que eu gostaria de falar hoje.
 
Em 2009 conheci uma adolescente com Síndrome de Down, a Simone*. Uma menina extremamente comunicativa, cativante, divertida que, se não fosse por seus traços fenotípicos, ninguém diria ter uma alteração cromossômica ou um leve rebaixamento intelectual. Simone sempre estudou em escolas de educação especial, onde permanece até hoje. Na escola, ajuda seus colegas de sala e os professores, seu desempenho é extraordinário. Mas não é sobre o desempenho escolar de Simone que desejo falar.
 
No mesmo ano que conheci a Simone soube que ela fora convidada por um grande hospital de uma cidade da região metropolitana de São Paulo para trabalhar na recepção dos pacientes. Para meu espanto a mãe não permitiu que Simone aceitasse o emprego, apesar do desejo da adolescente em fazer parte dos colaboradores daquela instituição. Durante algum tempo, quis saber quais os motivos que motivaram a mãe a tomar tal decisão. No mesmo ano, fui apresentada à mãe de Simone e questionei-a sobre as razões dela não ter permitido a inclusão de sua filha no mercado de trabalho. Para meu espanto a resposta dada foi: “Não permitirei que minha filha seja alvo de comentários maliciosos e seja exposta ao ridículo, por isso sempre a mantive longe dos olhos de quem vê somente a deficiência, ela sempre estudou em escola especial onde todos são como ela”. Pela primeira vez na vida fiquei sem palavras. Não estou aqui julgando a atitude dessa mãe em relação a sua filha e à decisão em mantê-la afastada do mundo. Estou sim questionando a necessidade das pessoas em manter padrões pré-estabelecidos, afinal, seria essa a possibilidade de Simone adquirir alguma independência.
 
Quando imagino esses padrões estabelecidos sempre me vem à lembrança lugares com pessoas vestidas da mesma forma, com cabelos exatamente iguais e comportamentos replicados. Já pensou em não poder perguntar para sua amiga onde ela comprou aquele maravilhoso vestido? Sim, vocês usam a mesma roupa! Ou pedir para o outro amigo te ensinar aquele passo de dança sensacional? Você dançam da mesma forma, é mais confortável! Já pensou em salas de aulas com alunos sem diferenças, com os mesmos comportamentos e com as mesmas atitudes? Nada seria um evento surpreendente, nunca chegaríamos em casa falando: “Você não sabe o que aconteceu hoje”. Os dias passariam iguais sempre. O mais incrível em uma sala de aula é poder perceber as peculiaridades de cada aluno e aprender com elas, sou professora, sei bem o que estou falando. Tenho alunos com deficiência auditiva e mobilidade reduzida, já tive alunos com deficiência visual e, com cada um deles, pude aprender grande lições de vida. Já tive uma aluna que iniciou o curso na universidade com acuidade visual normal e na festa de formatura  estava absolutamente cega. E garanto, apesar de difícil essa experiência, fez com que todos os alunos e professores aprendessem uma grande lição. Crescemos e aprendemos como lidar com as dificuldades juntos. Mas essa história contarei no próximo mês.
 
Se essa mãe tivesse sido exposta desde pequena à diversidade, sua atitude seria a mesma? Se Simone estivesse incluída numa sala comum de ensino será que sua mãe pensaria da mesma forma ou será que Simone estaria galgando sua independência? Será que se essa mãe tivesse sido assistida e seus sentimentos lapidados ela ainda se esconderia atrás da alteração cromossômica da filha? Quais foram as experiências vividas por essa mãe que a deixaram tão resistente à inclusão de sua filha? Como mudar isso? Não sei as respostas, me arrisco a palpitar, mas acho que juntos precisamos pensar em como mudar a realidade de várias Simones que vivem escondidas em seus mundos e têm o direito à liberdade e à independência negados. E você, quais é sua opinião?
 
Onde está Simone hoje? Ela continua estudando na mesma escola e sua rotina continua a mesma, sempre indo a locais onde todos a conhecem, assim ninguém irá reparar nela!
 
*Simone é o nome fictício de uma personagem real!

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