O autismo e a enorme carência de informação, profissionais, tratamentos e políticas públicas

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Gosto muito de escrever. Compartilhar sempre foi um dos pontos fortes de minha personalidade. Sou uma ouvinte bem razoável também, relatos de vida, experiências pessoais me fascinam e por isso talvez eu goste tanto de contar histórias.

Escrever nesta coluna representa um desafio à parte, uma vez que divido espaço em um site com gente que escreve com propriedade e numa perspectiva mais ampla, estamos todos em um universo virtual, onde a abundante informação exige um diferencial para que a atenção de um leitor seja capturada.

Para uma estudiosa do Autismo, que convive com esta instigante síndrome em seu dia a dia, há sempre muito a dizer, seja sobre as peculiaridades destes indivíduos ou a enorme carência de profissionais, tratamentos e políticas públicas. Há muito o que questionar sobre abordagens adequadas ou sobre as pesquisas que tentam desvendar as possíveis causas do Autismo. Porém, na coluna deste mês vou compartilhar com vocês uma história de vida que muito me tocou e com a qual, creio eu, todos nós temos a aprender.

Em um trabalho voluntário onde recebia pessoas para conversar, chamado de ‘atendimento fraterno’, conheci uma senhora que entrou na minha sala aos prantos me dizendo que estava prestes a cometer uma loucura qualquer, pois sua filha que tinha na época 28 anos, vivia para desafiá-la, fazendo tudo para tirar seu sossego.

À medida que eu buscava acalmá-la, ela me contava o quanto a moça era inteligente, suas habilidades incríveis nas artes plásticas, os diplomas que tinha conquistado sem sacrifício algum, as viagens ao exterior que havia feito. Porém, não tinha amigos, não se relacionava com ninguém, não buscava um emprego para se sustentar. Era capaz de passar o dia todo no quarto sem ao menos sair para se alimentar e apenas limpava o seu quarto quando a mãe permanecia a seu lado, falando passo a passo o que ela deveria fazer. As ordens deveriam ser listadas ou não seriam seguidas e a mãe acreditava que todos estes comportamentos eram propositadamente uma provocação. Afinal, como alguém tão inteligente poderia não ser capaz de cuidar da própria vida?

À medida que as descrições eram feitas eu apenas questionava mentalmente a enorme coincidência daquela mãe ter me escolhido em meio a tantos outros voluntários.

Tirando o foco do problema no presente pedi que ela me descrevesse a infância da filha. Não aceitava imposições, mas instruções claras eram seguidas, não se misturava às outras crianças, preferia a solidão. Era tida como tímida pela mãe, como esquisita pelos familiares. Tinha manias, tinha fobias e seguiu vivendo sem dar trabalho para a mãe que ficava fora o dia todo e com quem pouco conviveu. Tinha sido excêntrica, solitária, egoísta a vida toda.

Acolhi aquela mãe com carinho e respeito pela sua dor. Indiquei um livro para que ela lesse: Uma Menina Estranha, de Temple Grandin*. Dei meu telefone e ela me ligou aos prantos dizendo que o livro retratava a história de sua filha. Indiquei-lhe profissionais para que ela buscasse um diagnóstico que veio de fato confirmar que sua filha tinha Síndrome de Asperger. Aquela mãe não foi desatenta ou negligente, ela estava desinformada. A dinâmica da vida que levava a afastou da filha, e suas diferenças, que eram tidas como parte de sua personalidade, não foram consideradas um problema. Ambas sofreram por muitos anos, sem saber que o que as afastava tinha explicação.

Depois desta história, conheci um outro caso de diagnóstico tardio e também li no livro Olhe nos meus Olhos, de John Elder Robison**, a vida sofrida que levou antes de descobrir, aos 38 anos, que tinha este tipo grau “mais leve” de autismo.

A informação pode libertar as pessoas e, no caso do Autismo, isto toma proporções significativas. É sempre um grande desafio lidar com este transtorno, mas com as informações necessárias, tanto se fortalece o cuidador por saber que aquele desvio de conduta não é intencional, quanto justifica o portador, libertando-o da culpa que sente por ser diferente. Espero que toda e qualquer informação sobre Autismo seja disseminada para que toda a sociedade se conscientize e estes indivíduos se beneficiem de vez com a nossa compreensão e aceitação.

* GRANDIN.T.; SCARIANO, M.M. Uma menina estranha. Autobiografia de uma autista.Tradução Sergio Flaksman. São Paulo: Cia. das Letras. 2002.

** ROBISON. J. E. Olhe nos meus olhos. Minha vida com a Síndrome de Asperger – São Paulo: Larousse do Brasil, 2008.

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