Por um trânsito mais cidadão

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Um silêncio ensurdecedor tomou conta do barulhento bairro da Vila Madalena, em São Paulo. Aquela noite de sábado (30/7/2011) será lembrada por muita gente, que dos bares de uma das regiões mais boêmias da capital, presenciou uma das cenas mais atípicas que a vila já testemunhou, quando cerca de 400 pessoas, vestidas de branco e segurando velas, caminhavam pelas ruas do bairro, pedindo algo que, nos dias de hoje, parece inalcançável: prudência no trânsito.

A passeata, intitulada ‘Caminhada Viva – Não espere perder seu amigo para mudar sua atitude’ foi organizada por amigos e familiares do empresário Vítor Gurman, atropelado por um Land Rover na madrugada do dia 23 de julho, na Rua Natingui, na mesma vila que dias depois serviu de palco para uma manifestação silenciosa de dor e indignação.

O carro que atropelou o jovem administrador era dirigido pela também jovem, Gabriela Guerreiro Pereira, de 28 anos, que responderá por homicídio doloso. Vítor, que ficou internado por cinco dias no Hospital das Clinicas de São Paulo, não resistiu e deixou uma vida inteira pela frente: pais, amigos, realizações, sonhos. Morto aos 24 anos, também deixou mais um alerta entre tantos que já foram escancarados pela mídia: a de que não podemos mais fechar os olhos para a imprudência no trânsito, tampouco para a impunidade que teima em reinar no dia a dia das grandes cidades – tomo São Paulo como um dos maiores exemplos disso.

Assim como Vítor, milhares de pedestres perdem a vida em acidentes deste tipo. Só no ano passado, 7007 moradores foram atropelados e 630 pessoas morreram em acidentes de carro, na capital. O número é quatro vezes maior que em Nova York!

O alto índice de atropelamentos fatais em São Paulo deflagra o que já sabemos há tempos. O motorista peca porque, na maioria das vezes, não é punido. Pense rápido: você conhece pessoas que foram multadas porque desrespeitaram a faixa de pedestre quando não havia semáforo?

Pensando em coibir este tipo de comportamento, em maio deste ano, a Companhia de Engenharia do Tráfego (CET) iniciou uma campanha educativa para conscientizar pedestres e motoristas. O objetivo é diminuir o número de acidentes ocorridos, principalmente, nas faixas de pedestres.

Desde 1997, ano de sua criação, o Código de Trânsito Brasileiro já previa a preferência do pedestre, punindo com multa o motorista que desrespeitasse a faixa de pedestre, contudo, a fiscalização nunca foi efetiva. O fato é que agora, três meses após o inicio de sua campanha, a CET começará a multar o motorista por desrespeito à faixa. A infração poderá custar até sete pontos na carteira de habilitação, além do pagamento de R$ 191,53. Segundo a própria CET, 90,3% dos motoristas continuaram não parando nas faixas – mesmo depois de ter acesso durante três meses a campanhas de cunho preventivo.

Outro exemplo de desrespeito: desde o início da Lei Seca, as mortes ligadas à embriaguez no volante caíram em 32% no Rio de Janeiro. Na capital paulistana a queda foi de apenas 6,5%. Pergunto-me quando vamos, literalmente, parar? Parar de desrespeitar a faixa de pedestre, o semáforo, a Lei Seca, o limite de velocidade e os nossos próprios, diga-se.

Quando falo sobre este assunto não levo a minha opinião apenas como pessoa pública. Também faço parte destas estatísticas. Sofri um acidente de carro aos 26 anos e desde lá convivo com a tetraplegia. Embora pouco me lembre da perda de movimentos, não posso deixar de pregar a prevenção de deficiências – geradas, inclusive, por atropelamentos, que são responsáveis por 12,7% das vítimas de lesão medular por acidentes de trânsito.

Além de analisar o comportamento do motorista das grandes cidades e buscar a conscientização da população, é fundamental que as autoridades passem a investir em recursos que ofereçam ao motorista e pedestre mais segurança. Sempre uso o exemplo dos semáforos sonoros para auxiliar a travessia de pessoas com deficiência visual. Instalados na Suécia, esses equipamentos diminuíram em 80% os atropelamentos no país. Este é só um exemplo do que pode ser feito em respeito ao cidadão das grandes metrópoles. Há outras medidas que, com pouco de disposição e boa vontade, podem ser desenvolvidas pelas autoridades – economizando verba e vidas humanas.

A linha que separa as consequências de nossas ações e a vida de outras pessoas é tênue. Outros como eu, você e qualquer outro pedestre – com e sem deficiência, jovem ou idoso, podemos sofrer sequelas de atos impensados de outrem. Estamos todos na mesma travessia.

Sem civilidade, respeito e, claro, fiscalização, o direito de ir e vir é interrompido, muitas vezes, por manobras irreversíveis. Por isso, faço das palavras dos amigos e parentes de Vítor Gurmam as minhas: não espere perder seu amigo para mudar sua atitude.

Respeitar o trânsito é um ato de respeito à vida. A sua, inclusive.

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