A saúde da mulher com deficiência

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Depois do acidente que a deixou paraplégica, Maria, diariamente, vive uma rotina repleta de obstáculos. Todos os dias ela dribla os buracos da calçada para chegar ao posto de saúde, onde faz seu tratamento de reabilitação. E quando resolve utilizar o transporte público, ela enfrenta o desafio de encontrar veículos adaptados para a sua cadeira de rodas, acessório que ela teve de adotar ao seu “novo visual”. Aos 30 anos, há dois na cadeira de rodas, Maria mora em uma cidade do interior, é casada e sonha ter filhos. Um desejo que vem sendo combatido por muita gente. Até mesmo por seu marido e familiares, que não enxergam na mulher a capacidade de gerar uma criança. Ou um ‘bebê saudável’, como costumam dizer.
 
 
É por conta deste tipo de pensamento que um número gritante de mulheres com deficiência acaba ficando à margem do direito de exercerem a sua feminilidade plena. Além disso, fica sem acesso aos serviços de saúde comuns ao público feminino, como um acompanhamento ginecológico, que preconiza a realização de exames preventivos a doenças como câncer de mama e colo do útero. As mulheres com deficiência física são as que mais sofrem com esta falta de acesso. Depois da cadeira de rodas, a Maria nunca mais frequentou um consultório ginecológico. Além de enfrentar a mudança de tratamento do marido, da família, e da sociedade que a encaram como um ser com a sexualidade inativa, os postos de saúde não têm recursos nem equipamentos para atender mulheres com deficiência como ela. Falta acessibilidade para atender e recebê-la no lugar.
 
E esta situação ficará ainda mais crítica quando ela passar dos 40 anos. Já imaginou como a Maria vai fazer exames como uma mamografia se os hospitais da sua cidade não têm mamógrafos adaptados? E se ela realmente tiver o seu filho, como o seu pré-natal será realizado?
 
Até o inicio de 2010, não havia em São Paulo um serviço especializado neste público. Foi em março deste ano que esta realidade começou a mudar na cidade. Trata-se do Projeto Saúde da Mulher com Deficiência, implantado no Hospital Municipal Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha. A ideia da iniciativa é oferecer atendimento especializado, por meio de profissionais e equipamentos adequados para mulheres com deficiência, obesas e idosas. Ou seja, um serviço imprescindível para uma demanda que é enorme. Aliás, é desta procura que surge a outra questão: se o serviço é recente, pioneiro e ainda único em São Paulo – a cidade onde tudo acontece – imagine a situação de outros lugares menos evoluídos que a metrópole paulistana. Já deu para imaginar que no município da Maria não existe este serviço. E que ela não está sozinha nesta cena.
 
É lugar-comum dizer que a Saúde no Brasil não é das melhores e que faltam investimentos mais pesados na rede pública no que diz respeito ao salário dos médicos e na infraestrutura dos locais. Mas, e aí: quando vamos discutir o atendimento de uma parcela da população que nem com este mínimo pode contar? Que nem ao menos é lembrada? Ou quando assim, é estigmatizada por falta de informação. Uma mulher com deficiência que tem acesso aos serviços necessários para uma vida digna pode sim contemplar a plenitude de sua feminilidade. Além disso, pode oferecer seu trabalho a sociedade e contribuir em várias áreas, como faz qualquer mulher sem deficiência. A Maria e todas as outras que existem neste Brasil podem se realizar tornando-se profissionais exemplares, atletas de respeito, políticas. Mães. E se assim desejarem, podem simplesmente ser mulheres, o que já é um prazer inigualável.

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