Aquele choro já estava me incomodando. Eu que sou naturalmente distraída, já tinha dado conta de que uma criança estava alterada, mas não prestei atenção no início, afinal eu estava vivendo dias de merecidas e desejadas férias em um país diferente. A última coisa que eu podia querer era ocupar minha mente com acontecimentos corriqueiros.
Confesso que após alguns minutos ouvindo aquele choro persistente eu pensei que aquela criança deveria ser mimada demais, porém, continuei com as compras, agora, com um pouco mais de pressa devido ao desconforto daquele barulho. Quando estava na fila do caixa, pude presenciar o breve diálogo da mãe com a atendente. Não pude compreender, com meu inglês “básico 01”, mas uma parte da conversa saltou aos meus ouvidos, quando a mãe explicava desconcertada que aquela criança que chorava tinha autismo.
Difícil descrever o que eu senti. Um misto de vergonha e piedade, uma vontade de gritar para aquela mãe que eu a entendia, que eu também tinha uma filha com a síndrome, que eu também já tinha vivido inúmeras situações constrangedoras de gritos e birras em locais públicos. Mas na verdade, eu estava envergonhada, pois alguns dias longe de casa e da minha convivência com o Autismo e eu já tinha voltado para o senso comum que me colocava no detestável lugar dos que se acham normais.
Houve um momento em que eu até mesmo julguei aquela mãe, achando que faltava àquela criança, educação e limites, tal qual era, quando eu ainda não conhecia o outro lado da moeda. Desde que minha filha nasceu, pude perceber o quanto as pessoas são diferentes, o quanto julgamos os outros, seja pela aparência, idade, limitação de qualquer natureza. Este preconceito tatuado na alma da gente nos contamina e nem nos damos conta disso.
Por mais que o Autismo tenha me feito um ser humano melhor, ainda me pego querendo que tudo à minha volta obedeça ao meu próprio padrão e cada vez que este padrão é abalado, surge o desconforto em lidar com o diferente. Porém, o verdadeiro respeito nasce da capacidade de aceitar verdadeiramente o outro e sua diferença, transformando desconforto em aceitação, julgamento em compreensão, rigidez em flexibilidade. A tolerância que eu exijo que o mundo tenha em relação às diferenças da minha filha precisa começar verdadeiramente em mim e o que não faltam são oportunidades diárias de respeitar quem pensa e age diferente do que acho ser o certo.
Que esta reflexão possa me conduzir a uma postura melhor neste ano que se inicia e que haja coerência entre o mundo que eu quero e o mundo que eu faço.