Dolorosa constatação

Compartilhe:

Ainda no corredor daquele andar, cruzei com um grupo de adolescentes que barulhentos emprestavam uma alegria destoante ao ambiente hospitalar. Eu ainda reparei na beleza dos rostos e pensei o quanto eu ganhava em lições, sendo voluntária ali, ao doar tempo e companhia, recebia novos significados para minha vida. Diante dos dramas que eu visitava, qualquer situação em minha vida deixava de ser um problema e se tranformava em simples questões a serem resolvidas.

Era a primeira vez que eu entrava naquele quarto, como seu ocupante sempre estava acompanhado, o trabalho voluntário de acompanhante ainda não tinha sido necessário. Mas aquela tarde era diferente, pois além de sozinho, ele estava muito triste. Olhava pela janela e quando se virou, me olhou com uma expressão tão marcante, como se sentisse uma dor desproporcional. Perguntei se queria que chamasse alguém, ele negou e chorou, me aproximei da janela e vi que olhava justamente o grupo de jovens que se distanciavam, rindo despreocupados no pátio.

“Devem estar rindo de mim”, finalmente falou. Observei com mais atenção e vi que a cadeira de rodas que ele usava, seria definitiva e que os esforços do cirurgião plástico não fariam desaparecer as grossas cicatrizes no rosto. Eu me lembrava do caso, um acidente provocado por alguém alcoolizado.

Não meu querido, não riem de você, são seus amigos, as pessoas não são assim. A resposta dele me surpreendeu: “eu sou”. Se dirigindo à cama precisou de ajuda para se deitar e a única coisa que ele me disse: “meu pai sempre me deu liberdade para escolher o quisesse ser, mas a única coisa que ele me pedia, seja surfista ou médico, seja o melhor. Eu e meus amigos sempre fomos os melhores em tudo.” Em seguida me entregou seu notebook aberto na página de uma rede social. As postagens eram discriminatórias, mostravam negros, pobres, obesos, homossexuais, deficientes e faziam piadas para os ridicularizar.

Eu não estava ali para julgar ou condenar aquela criança ou seus pais. Não cabia uma “lição de moral” ou um sermão, a vida já havia se encarregado disso. Apenas pude compreender agora a real dimensão daquela dor e lamentar a nossa participação enquanto sociedade no empobrecimento da educação e pensar sobre quão pobremente estamos instrumentalizando nossos jovens para a verdadeira jornada da vida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *