Milagre da vida

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Aquele era seu filho caçula, que lhe trouxera tantas alegrias no momento em que ela nem achava que poderia ser mãe outra vez. Era a paixão de toda a família, esperto, amoroso, emprestava vida ao ambiente quando gargalhava alegremente com seus brinquedos infantis, fazendo com que toda a casa sorrisse também.

Porém agora, na sala de espera do especialista ela já nem sabia se iria voltar a sorrir. Há poucos meses, seu menino vinha perdendo a vivacidade, cada vez mais quieto, trouxe inquietação ao coração materno quando o olhar se fez distante e ele já não sorria mais. Todos diziam ser algo passageiro, uma fase, alguma contrariedade que o traumatizara. Mas o coração da mãe jamais se engana e ele se apertava cada vez mais em seu peito como que antevendo o que estava por vir.

Quando a porta se abre, seu filho chega estendido na maca, e com o coração aos saltos, ela vai ao seu encontro e recebe o olhar doce e penetrante que tanto conhecia e a tranquilidade no rosto do filho, que ao encontrar o olhar da mãe demonstra a confiança em sua proteção. Ela o acaricia e ele lentamente relaxa e adormece.

Tendo seu anjo adormecido diante de si, recebe o médico que chega da sala de exames:

– E então Doutor, é grave?
– Infelizmente é…

Um zumbido no ouvido, ela sente o coração acelerar…Será que conseguiria fazer outra pergunta? Olhando para o rosto do filho tomou coragem e perguntou:

– Ele voltará a ser o garoto feliz e esperto que sempre foi?
– Não posso te dar certeza de que isso voltará a acontecer.
– Ele poderá ter amigos, estudar?
– Receio que não.

A voz do médico parecia a de um juiz, lendo uma sentença.

– Ele poderá ao menos ser independente, ter ao menos relativa autonomia quanto aos cuidados pessoais?
– Senhora, ele sofre de uma doença rara que lhe paralisará progressivamente os membros.

A afirmação fez com que todo seu corpo sentisse um choque absurdo. Um pouco tonta, ela reviu na mente os momentos dos primeiros anos de seu rebento. Lembrou das noites em que ele adormecia ao seu lado, mãos entrelaçadas às suas. Desejou profundamente ter apenas a companhia do filho, sim, ela lhe doaria seus membros, faria tudo por ele, seria seus pés, seus braços, cuidaria deste filho – vida de sua vida -, com toda a dedicação, desde que pudesse olhar para aqueles olhos, sentir aquele perfume e ler no seu olhar o quanto era amada como mãe.

Com o desejo ardente expresso em grossas lágrimas, tomou coragem e perguntou:

– Doutor a doença é degenerativa? Levará meu filho à morte?
– Não senhora, embora com imensas dificuldades motoras, seu filho viverá.

Diante da sublime notícia de que não perderia prematuramente o ser a quem dera a vida e de quem recebera em troca a razão para viver, ela o levou de volta ao lar como quem ganha de novo algo que julgara perdido pra sempre.

Perante a bendita oportunidade de viver, tudo o mais se torna menor, tudo parece transponível, tudo se pode vencer.

A vida é sublime e diante deste milagre acordamos a cada dia, assumindo a postura da queixa ou da gratidão, do enfrentamento ou da desistência. Cada pessoa com sua dor particular, nem maior e nem menor que a dor de ninguém, enfrenta desafios a cada hora, mas só quem enfrenta a dor da morte, pode realmente dar valor à vida e pode ser chamado a assumir uma outra postura perante o milagre que é abrir os olhos pela manhã e acordar com vida.

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