O valor real

Compartilhe:

Foi um dia difícil, minha amiga me contaria mais tarde. Quando vinha de volta para casa pensava justamente no que poderia estar fazendo de tão errado a ponto do clima no trabalho ser quase insustentável. Por mais que se esforçasse em dar o seu melhor, a sensação ao apresentar qualquer projeto é que se esmeravam em encontrar pequenas falhas e que fariam tudo para superá-la. Nenhum elogio sincero, nenhum reconhecimento, apenas pressão e disputa.

Com os ombros doloridos pelo peso do stress ela tenta focar o pensamento na sua vida doméstica para chegar em casa mais “inteira”. Pensa então na filha, doce e meiga, mas com tantas limitações. Atraso no desenvolvimento, dificuldade de coordenação motora, socialização comprometida, manias e rituais. Imaginou o quanto seria difícil sua inserção no mercado de trabalho e seu nível máximo de exigência. Não. Sua filha não conseguiria, melhor pensar já em um plano de ajuste financeiro para garantir uma renda ainda que mínima neste futuro que cismava em chegar tão depressa.

Peito em opressão, respirou fundo e abriu a porta da casa. Tomou um susto ao ver a família toda reunida cantando os parabéns. No dia agitado que teve, nem lhe ocorreu que lhe fariam outra festa surpresa, tão linda e com tanto capricho. Estranhou muito ver no centro da mesa um bolo de aniversário estranho, torto, cobertura parcial, que destoava do restante da decoração. Mais tarde ela me diria que intimamente reprovou o fato da mãe ter permitido aquele bolo ali, afinal se tivesse errado a mão, poderia simplesmente ter ido à confeitaria e comprado pelo menos um bolo mais bonito.

Foi quando o grupo se abriu dando passagem à sua menina. Com um vestido lindo, ela veio até a mãe devagar e seu sorriso era contagiante quando disse quase gritando: – “parabéns mamãe, eu sozinha fiz o bolo pro seu aniversário, li a receita, medi, bati, assei, coloquei o recheio e a cobertura!”. Não conseguiu terminar de falar, sua mãe lhe abraçou como se quisesse colocar naquele abraço todo o reconhecimento, gratidão e emoção daquele momento único. Aquele bolo torto e toda a superação que ele representava, era naquele momento o mais perfeito presente que ela poderia desejar.

Afinal, quem de nós não espera realmente pelo bolo perfeito? Sem perceber, tomamos para nós a lógica excludente do mercado em que tudo parece nada e apenas o lucro importa, banalizamos o esforço do processo e o nosso valor passa a se fixar apenas no resultado, por isso, essa constante competição se tornando um valor para tudo.

Talvez seja a hora de desacelerar e buscar o real valor das coisas que fazemos e ainda que lentamente construirmos um mundo onde um "bolo torto" esteja mais presente nas mesas. Afinal, o empenho de uma pessoa precisa ser valorizado, e se for assim algum dia, as pessoas com deficiência serão sem dúvida, aquelas que mais se destacarão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *