Mais uma vez pedirei licença para não falar da inclusão da pessoa com deficiência na escola. Gostaria de falar um pouco de “coisas da vida”, de observações de fatos cotidianos, que para a maior parte das pessoas, é corriqueiro, mas que, para pessoas com deficiência, podem se tornar um desafio.
Você já imaginou como uma pessoa com deficiência auditiva marca uma hora no cabeleireiro, no médico, na manicure ou quiçá na cartomante? Ou ainda, como essa mesma pessoa com deficiência auditiva é capaz de fazer o check in em um hotel ou como ela pode abrir uma conta em um banco que não conta com um intérprete de LIBRAS, caso ela não domine outra língua? Como uma pessoa com deficiência visual consegue saber o andar que o elevador se encontra caso o mesmo não tenha sinalizador de voz? O elevador pode até parar, mas quando descer? Como um cadeirante consegue andar em calçadas estreitas e cheias de obstáculos como as de São Paulo?
A grande maioria das pessoas não pensa como seria caso precisasse passar entre um poste e um muro com pequena distância entre eles caso estivesse em uma cadeira de rodas. Mas eu sempre penso!!! Nós que não dependemos de uma cadeira de rodas para ir e vir na cidade, pelo menos por hora, podemos passar entre os obstáculos ficando de perfil, nas pontas dos pés e, se necessário, podemos encolher a barriga, mas como encolher uma cadeira de rodas? Impossível!!!
Já imaginou como um cadeirante consegue subir uma ladeira com várias entradas e saídas de carros? Sim, quando acessos para carros são construídos em ladeiras eles, em geral, provocam degraus nas calçadas, impossibilitando o tráfego de cadeiras de rodas. A opção seria andar no meio da rua, mas de fato essa é uma opção? Eu acredito que não, o cadeirante poderia ser facilmente atropelado. Você já imaginou como uma pessoa com deficiência auditiva que viva sozinha marque uma hora em qualquer coisa? Muitos prestadores de serviço não dispõem de serviços on-line para marcações, não disponibilizam números de celulares para que mensagens de texto possam ser trocadas entre usuários e colaboradores, muitas vezes nem o e-mail do estabelecimento está disponível.
Vocês devem estar pensando, mas será que ela não sabe que existem telefones fixos e móveis disponíveis no mercado para pessoas com deficiência? Claro que sei, existem vários modelos, existem modelos fantásticos que, quando o celular cai ele automaticamente liga para os 5 contatos de referência nele cadastrado. Outros modelos possuem conversores para Língua Brasileira de Sinais. Temos até um aplicativo especial para pessoas com deficiência visual disponibilizado por um banco desde maio deste ano, através desse aplicativo o cliente com deficiência visual pode realizar operações bancárias. Alguns celulares possuem letras maiores e som mais intenso que a maioria, chegando a uma intensidade de 25dB, enquanto que a maioria tem intensidade de 10dB.
Mas todas as pessoas com deficiência tem acesso a essa tecnologia? Não, a grande maioria ainda não tem a sua disposição tais tecnologias. Os impostos para tecnologias acessíveis não têm abatimento. Nem para aparelhos auditivos temos tal abatimento.
Agora imagine você no lugar de uma pessoa com deficiência auditiva tentando fazer o check in em um hotel, sendo que a única língua que domina é a Língua de Sinais. Ao chegar na recepção do hotel, tenta se comunicar com a atendente mas, para sua surpresa, nenhum funcionário do hotel domina sua língua nem existe um intérprete que possa ajudá-lo. Como você fará? Mímica? Desenho? Pegará a recepcionista pela mão e começará a rodar pelo hotel em uma espécie de caça ao tesouro? Fará uma prece para que alguém que domine a LIBRAS se aproxime do balcão do hotel?
Fiz uma pesquisa em algumas grandes redes de hotéis em São Paulo e, para minha surpresa, nenhuma delas contava com um intérprete de LIBRAS ou possuía pessoas entre seus colaboradores que a dominassem. Como uma cidade que pretende sediar jogos de uma Copa do Mundo não está preparando sua estrutura hoteleira para atender a todos que aqui vierem? Não pensemos tão longe, como uma cidade que é a maior economia do país, que realiza grandes feiras e eventos, pode pensar em não dar condições de acessibilidade para todos?
Agora imagine você como um cadeirante indo a um badalado salão de cabeleireiros, mas pode ser o salão da Rosinha da sua rua, não importa. O primeiro problema são os lavatórios, quase sempre impossíveis de serem adaptados para cadeirantes. Geralmente, é necessária a transferência do cadeirante para a cadeira do lavatório, mas seria possível que o lavatório fosse acoplado à cadeira, mas pra que investir nisso não é? Agora imagine que você está fazendo luzes nos cabelos e precise fazer xixi. Quantos salões de cabeleireiro possuem banheiros acessíveis? Imagine você em um salão de cabeleireiros dentro de shopping cujos banheiros costumam ser ainda menores. Caso você precise usar o banheiro será necessário que você saia do salão, pegue o elevador e vá ao shopping. Pior, se estiver no salão da Rosinha você pode precisar sair na rua e ir até sua casa para fazer o tão necessário xixi. Prefiro segurar o xixi até explodir. E na hora de pagar, a maioria dos balcões são altos e o cadeirante não consegue visualizar a tela do computador para saber por quais serviços está pagando e não consegue ter acesso à máquina de cartões. Sim, mesmo sem poder usar o banheiro você terá que pagar, pelo menos, R$350,00 pelo corte.
Agora imagine você como uma pessoa com deficiência visual em um elevador sem sinalizador de voz e sem ninguém que o auxilie avisando em que andar o elevador parou. Como saber que é hora de descer? Você pode até conseguir apertar o andar correto, mas como saber se alguém não chamou o elevador em um andar intermediário? Você pode virar um explorador de andares de prédios!!!!
Esses são apenas alguns exemplos de situações cotidianas e, aparentemente simples, vividas diariamente por pessoas com deficiência. Será que vivemos em uma cidade justa para todos? Será que nos preocupamos com o bem-estar e com o exercício de cidadania de todos que aqui vivem? Eu acho que estamos longe disso. Mas sei de uma coisa, não podemos desistir de continuar conscientizando a todos da importância de termos uma cidade e um país para todos.