O homem que via sem enxergar

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A história de Marcelo Bratke é tão surpreendente quanto bela. Por anos, o gênio do piano foi convencido de que o seu universo era composto de imagens sem formas. Cego por conta de uma catarata congênita, uma patologia ocular que impede que a imagem chegue a retina, ele passou décadas com apenas 10% de visão em seu olho esquerdo. Não enxergava praticamente nada. Seu mundo era composto por luzes e imagens desfocadas.
 
Quando criança, foi convencido por médicos e familiares de que apenas enxergava mal de uma vista e pior ainda da outra. Seus pais acreditavam que a verdade faria com que Marcelo carregasse o fardo de “ser diferente dos demais”. Optaram por não contar sobre a deficiência visual, já que na época a possibilidade de uma cirurgia reparadora não existia. Então, se ele nunca vira perfeitamente, como saberia o que é de fato enxergar?
 
Assim, sem ver praticamente nada, Marcelo viveu e se superou. Para se alfabetizar passou por dificuldades enormes. Sentia uma luz muito forte queimando suas vistas quando tentava ler. Participou de uma guerra sem armas, pois teve de se adaptar a um “mundo vidente” sem recursos quaisquer. Braille era coisa distante de sua realidade. Uma realidade que ele vislumbrou ainda menino, aos 14 anos, quando passou a aprender música e estudar a partitura do piano por outro sentido, a audição. Tornou-se um pianista exímio – não só pelo ouvido supersônico, mas por sua sensibilidade ímpar. Perdeu um pouco da timidez e se sentiu mais incluído no mundo. O piano mudara a sua vida a partir dali. O garoto que se escondia pelo estrabismo e gostava de tocar a marcha fúnebre agora já se apresentava para meninas. Finalmente, a sua luz no fim do túnel chegara e durante quarenta e quatro anos, Marcelo Bratke viveu para emocionar as pessoas com o poder do som. Ele não precisava enxergar para tocar o coração de ninguém.
 
Anos tocando canções porque via muito além de notas musicais, Marcelo Bratke passou muito tempo sem saber que a sua “diferença” não se dava pelo fato de não enxergar, mas sim, por sua sensibilidade e poder de adaptação – superior a de muitas pessoas consideradas “perfeitas”. Hoje, depois da cirurgia que lhe devolveu quase toda a visão, Marcelo Bratke continua enxergando à frente da sociedade – cuja maioria enxerga apenas no sentido literário do verbo.
 
Fico pensando que se todos enxergassem como Marcelo teriam uma vista bem mais bela da vida, de outras pessoas e do mundo. Não encarariam a deficiência como um problema e sim um obstáculo a ser superado todos os dias. Claro que você não precisa esconder o que é, mas você pode mostrar que é muito mais que a visão comum enxerga. Tente fechar os olhos e ver as pessoas com deficiência sob um novo prisma. Você pode se surpreender com a capacidade de muita gente.

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