Casado e pai de duas filhas, Eduardo Prando é soropositivo há nove anos. E guerreiro no mínimo há nove anos também. Morador de Itapetininga, cidadezinha do interior de São Paulo, ele teve de enfrentar barreiras maiores que as de muita gente com deficiência. Tendo o vírus da imunodeficiência adquirida – transmitido quando fazia uma de suas várias tatuagens – ele carrega um estigma a mais. Ele convive com um preconceito velado. Diferente de uma pessoa com deficiência, o seu rótulo está escondido.
De acordo com a Constituição do Brasil, as pessoas que vivem com HIV, assim como qualquer outro cidadão, têm obrigações e direitos garantidos. No entanto, como garantir que uma pessoa com o vírus não seja taxada na empresa, entre os colegas ou na própria família? Como a Lei pode assegurar que o Eduardo não vai ser encarado com preconceito depois que se apresentar como um soropositivo? A Legislação sozinha consegue mudar o olhar da sociedade diante das pessoas que têm o vírus? Tenho certeza que muitos leitores neste momento não conseguem falar alto o nome AIDS.
A descoberta da imunodeficiência adquirida tem cerca de trinta anos. E até hoje os afetados por ela carregam um rótulo pejorativo. Diferente da deficiência, a imunodeficiência circunda por vários tabus da sociedade. A homossexualidade é um deles. Em uma sociedade que ainda não encara o homossexual como um cidadão comum é difícil imaginar que um soropositivo conseguirá viver aquém deste preconceito.
Questionado sobre o estigma que a AIDS carrega até os dias de hoje, o Eduardo, que estava no estúdio da Eldorado dando entrevistas para o meu programa Derrubando Barreiras, disse que o maior preconceito que ele teve de enfrentar foi dele mesmo. Homem do interior, de costumes tradicionais e uma criação rígida, primeiro ele defrontou seus próprios conceitos sobre a doença para depois encarar o tratamento e a sociedade.
O Eduardo disse ainda que se considera um sortudo. Ele adquiriu o vírus em 2001, quando o até então Ministro da Saúde, José Serra, quebrou a patente do medicamento Nelfinavir. Graças ao programa criado na época, a taxa de mortalidade da doença caiu pela metade no País.
Hoje, além de bem informado de seus direitos, o Eduardo ajuda outras pessoas a lutar por acessos. Estudou Direito e quer fazer Gestão Pública para fiscalizar o trabalho das autoridades. Tem um programa de rádio que atende diretamente a população de sua cidade. Um verdadeiro derrubador de barreiras – de seu entorno e de seu íntimo.
Assim como o Eduardo, varias lideranças e ativistas que vivem com a AIDS pressionam o governo e a sociedade, exigindo uma mudança. Eles são contra a capacidade laborativa a qual o INSS os enquadra e a postura que os empresários mantêm com relação à contratação de soropositivos. Estas queixas renderam em 2005 o I Encontro Nacional da Rede de Pessoas Vivendo com AIDS. O lema do evento foi “Antes nos escondíamos para morrer, hoje nos mostramos para viver”. O tema do encontro não poderia ter sido mais bem pensado.
Um dos maiores problemas que o soropositivo enfrenta é a barreira do mercado de trabalho. Segundo a Lei, ninguém é obrigado a contar sua sorologia, a não ser em casos de doação de sangue, órgãos e esperma. Mas, como esconder a doença quando uma hora ou outra o funcionário terá de se ausentar para tomar o coquetel de remédios que o tratamento exige? É nesta hora que os contratantes acabam inventando desculpas e demitindo este empregado. Para provar que o motivo real é preconceito não é uma tarefa fácil.
As pessoas com deficiência estão resguardadas pela Lei de Cotas. As pessoas com imunodeficiência não. A mesma situação ocorre com as pessoas que têm esclerose múltipla. Embora sofra com os surtos provocados pela doença e a reação forte do medicamento, o paciente só consegue enquadrar-se nas Cotas quando a patologia atinge os sintomas mais severos, comprometendo os movimentos. Ou seja, apenas quando ela é visivelmente reconhecida como uma pessoa com deficiência.
Fico pensando sobre o que a sociedade tem a oferecer àqueles que têm a imunodeficiência adquirida. Eles ficaram imunes a qualquer tipo de recurso? De política pública? Ou será de respeito? O Eduardo Prando e sua família – que eu conheci pessoalmente – têm o direito a uma vida de qualidade como todos nós, pessoas com ou sem deficiência. No caso dele, esse direito também é sinônimo de viver imune apenas de preconceitos.