A poeira que o Autismo ajudou a retirar

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Quando a minha filha mais nova nasceu eu tive de me refazer. Quando um filho nasce, também nasce – de novo se preciso – uma mãe. A gente renasce sempre, infelizes aqueles que não se fazem e refazem a cada novo evento, a cada novo dia. Não tem nada pior do que o mesmo do mesmo. Nós e nossas certezas…

Belo aprendizado eu tive. Me achava o máximo da tolerância, preconceito é coisa de gente ignorante, de quem não tem humanidade, eu pensava. Mas quando a sombra da deficiência da minha filha começou a me meter medo, o pavor veio de onde? Eu estava realmente apavorada e era por medo da rejeição. Agora, quem saía do padrão era eu! Minha vida sob os olhares.

Claro, proteger minha menininha era instinto, amor de mãe é infinitamente superior a orgulho ferido, mas lá no fundo, eu calava, acuava, escondia sob o pó aquele bordão que ridicularizei por anos: “o que vão dizer?” Me envergonhar diante dos olhares quando minha filha gritava e se debatia nos shoppings da vida… Por que??? Qual a razão de não querer fugir ao padrão imposto?

Hoje, percebo o quanto renasci, o quanto cresci, o quanto aprendi que ainda tenho muito a aprender. Foi preciso muita coragem para olhar no espelho e enxergar estas mazelas, difícil confessá-las! Porém, hoje me sinto até mesmo grata com o infeliz que passa pensando que não sei educar, quanto sou grata à minha menina por não se deixar moldar e me dizer que existem tantas formas de dizer. Por fim, sou grata ao Autismo, não pelo que ele faz com minha filha, mas pelo que fez comigo, quebrando paradigmas cristalizados e transparentes, me dando a chance de me refazer.

Às vezes, quando minha filha se comporta diferente, quando ela empurra, ou se intromete, nos momentos de alegria intensa quando seu corpo se retorce e as mãozinhas se agitam, todos os olhares se voltam: que esquisito, devem pensar. Olho para os olhares e devolvo com um sorriso calmo: esquisito não, Autismo! Expressão diferente e, não menos bela, do que essa sua postura ereta, seu comportamento normal. Minha filha tem um jeito diferente de ser, um jeito de quem não busca apenas ter.

Os rótulos feio, bonito, inadequado, esquisito, estranho, diferente são dados pela lente que está nos olhos do expectador. Minha filha é livre na sua expressão, ela não pretende chocar, ela não quer ofender, ela é como é, corajosa e livre como uma borboleta.

Aprendendo tudo isso. Sigo me completando, sem julgar quem ainda não está disposto a aprender, procurando ainda sob o pó, os restos dos preconceitos que ainda teimam em se esconder. Será que é por me limpar assim que hoje vejo cores que antes não via?

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