A barbárie nas redes sociais

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Muito se tem falado da radicalização de ideias, opiniões e atitudes. Apesar disto ser comumente citado como um indicador da contemporaneidade, não acho que seja algo que aconteça somente nos dias de hoje. Acredito que, no passado, isto também ocorria, mas, como a circulação de informações e pontos de vista era muitíssima mais lenta e atingia muito menos pessoas, isto não ficava tão gritante, não ficava tão evidente.

Para que esta conversa fique mais concreta, darei dois exemplos.

Pela ocasião da comemoração do Dia Internacional da Síndrome de Down, em 21 de março, a jornalista pernambucana Juliana Preto postou, numa rede social, a foto dela com um bebê com a síndrome de Down no colo. A “amiga” Julia Salgueiro comentou com estas exatas palavras: “É que nem filhote de cachorro. Lindos quando são pequenos mas, quando crescem, só pensam em trepar. Vai sair um monte de filhote de toin toin”. Como se não bastasse, num comentário posterior, afirmou que sexo entre pessoas com deficiência mental é nojento.

Arnold Schwarzenegger – é ele mesmo, o ator austro-americano – gravou e postou um vídeo com campeões dos Jogos Olímpicos Especiais, realizados na Áustria. No vídeo, com o título “Esses caras me inspiram”, o ex-governador da Califórnia (EUA) aparece ao lado dos vencedores do torneio. Nos comentários um “amigo” escreveu: “As Olimpíadas são feitas para os melhores atletas do mundo competirem entre si, determinando quem é o melhor. Colocar retardados para competir é o oposto disso!”.

O que leva pessoas como Julia Salgueiro e o “amigo” de Schwarzenegger a fazerem comentários como esses em redes sociais? O que os dois têm em comum?

Peço emprestado a Guimarães Rosa uma de suas famosas frases para iniciar a resposta: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”

Começo desconfiando do estágio civilizatório dos dois, estendendo, imediatamente, o sentimento às demais pessoas que pensam assim, não importando onde vivam, a qual gênero pertençam ou a cor da pele que tenham.

Desconfio que pessoas assim não suportam as diferenças. Não concebem um mundo que seja minimamente diferente daquele por elas idealizado em algum momento de delírio provocado pelo preconceito e pela ignorância sobre si mesmas e sobre o outro.

Como, para elas, é insuportável observar e conviver com as limitações humanas – inclusive as próprias -, resta-lhes excluir as pessoas com deficiência deste mundo perfeito, transformando-as – por meio de suas palavras – em animais ou banindo-as de qualquer convívio com os “normais”.

Mas a contemporaneidade tem dessas coisas. Tanto dá espaço para que as pessoas se manifestem livremente quanto as penaliza quando são estúpidas.

No caso da criança com síndrome de Down, a ofensora foi denunciada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) por praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, conforme previsto no artigo 88, parágrafo 2°, da Lei 13.146/2015. Se a jornalista for condenada, sua pena pode chegar a cinco anos de reclusão.

No caso dos campeões dos Jogos Olímpicos Especiais, Schwarzenegger respondeu, segundo notícia publicada no jornal O Globo:

“Por mais que seu comentário seja mau e estúpido, eu não vou apagá-lo ou te banir (ainda), pois ele pode ser um momento de aprendizado. Você tem dois caminhos a seguir. Nesse momento, eu te garanto que esses atletas têm mais coragem, compaixão, cérebro e capacidades – na verdade mais em todas as qualidades humanas – que você.

Então siga o caminho deles – você pode aprender com eles e tentar desafiar a si mesmo para dar de volta, acrescentar algo ao mundo. Ou pode seguir no seu caminho e continuar sendo um troll de internet triste, invejoso e deplorável, que não acrescenta nada ao mundo, mas zomba daqueles que fazem alguma coisa por pura inveja. Eu sei que tudo que você quer é atenção, então serei claro. Se você decidir seguir nesse caminho, ninguém vai se lembrar de você.”

A autora e o autor dos comentários odiosos foram respondidos de forma diferente, mas, aos dois, foi demonstrada a importância do reconhecimento das diferenças e do respeito aos indivíduos, base de uma convivência minimamente civilizada.

Esta é uma coluna regular no Vida + Livre. Comentários? Críticas? Ideias para futuras colunas? Envie-me um e-mail – walter.alves@diferencaeinclusao.com.br ou faça nos comentários.

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