Cuidados com quem cuida

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Muita gente não sabe, mas antes de me tornar uma pessoa com deficiência e precisar dos cuidados de alguém durante 24 horas, tive a oportunidade de ser cuidadora. Trabalhei em um acampamento de férias para pessoas com deficiência e cuidei de uma jovem tetraplégica. Na época, sem imaginar que um dia estaria nas mesmas condições, tentei levar a ela um pouco mais de saúde, incorporando movimentos a sua vida. Também fui cuidadora de um senhor italiano na época em que morei fora do Brasil. Uma experiência que marca a minha vida até hoje e por isso gostaria de compartilhar com vocês.

Luigi era um senhor italiano de 91 anos que vivia sozinho. Contratada por sua filha, passei a lhe fazer companhia todas as tardes. No começo, minha presença não era bem vinda. Luigi era quieto, sozinho e meio ranzinza. A primeira vez que preparei uma refeição para alguém foi para ele. O que causou seu espanto. Ele ficou horrorizado com a minha comida! Desde então, sempre reclamava quando tentava mudar seu precário cardápio. Nossa relação só passou a ganhar novos recortes depois de muitas tentativas para agradá-lo, e passei a ler em voz alta as notícias do dia. Enquanto fazia a leitura do jornal, Luigi corrigia meu italiano.

Na verdade, tudo que Luigi precisava era de se sentir útil e querido por alguém. Em pouco tempo, minha rotina com aquele senhor tornou-se uma parte deliciosa e leve da minha vida. Tornamo-nos grandes amigos e parceiros, uma relação bem parecida com a que tenho hoje com a Gil, que cuida de mim há mais de dez anos.

Hoje, não me canso de dizer que sou um exemplo prático de que sozinho não chegamos a lugar algum. No meu caso a expressão ganha sentido literal mesmo! Afinal, sem uma mãozinha não saio do lugar. Essa transformação abrupta ocorre com muitas pessoas ao adquirem uma deficiência, uma doença degenerativa ou mesmo quando envelhecem e passam a precisar da ajuda de um cuidador, profissão linda, e que embora seja de extrema importância, ainda não tem regulamentação.

Contratado como um profissional doméstico desde sempre, o cuidador passou a ser demitido após a mudança na legislação. A PEC das Domésticas trouxe prejuízos tanto ao contratado, quanto ao contratante. Famílias passaram a ficar órfãs e tiveram de abrir mão do trabalho para cuidar de seus entes. Quando isso não é possível, o abandono passa a fazer parte do mundo dessas pessoas.

Na Câmara sou autora de dois projetos de lei nesta temática. O primeiro altera a lei de assistência social e cria o auxílio-cuidador e o outro prevê que o governo crie um Serviço de Apoio Especializado para aqueles que comprovadamente necessitam do profissional. Tais iniciativas ajudarão não só a melhorar a qualidade de vida de quem precisa de cuidados, como dará mais autonomia para as famílias proverem seu sustento. Afinal, muitos familiares deixam de trabalhar para cuidar de entes que adquirem uma deficiência ou envelhecem e precisam de cuidados.

Para se ter uma ideia, no Brasil, 72% dos idosos têm limitações para realizar tarefas básicas, como comer e ir ao banheiro. E se levarmos em consideração o envelhecimento da população com deficiência, o quadro é ainda mais preocupante e deflagra a necessidade de um profissional.

A dependência, talvez, tenha sido uma das grandes mudanças em minha vida após sofrer um acidente aos 26 anos e perder movimentos do pescoço para baixo. Por isso, posso dizer com toda convicção que a atuação de um cuidador está muito além dos cuidados que se prescreve. Tem a ver com carinho, dedicação e confiança investidos nesta relação. Quando tudo isso acontece, o resultado é mais qualidade de vida para produzir e ser feliz.

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