Da diferença entre ser e agir

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Gosto de observar a vida; o ser humano sempre me parece instigante. Nós somos incríveis em nossa capacidade de alternar estados emocionais e frequentemente confrontamos os nossos próprios valores e crenças quando agimos por impulso, de forma a contradizer tudo o que pensamos, ou achamos que pensamos. A meiga senhora que quando acuada saca de uma arma e dispara, o gentil rapaz que desafiado no trânsito faz manobras bruscas para exibir-se ou para afirmar para si mesmo aquilo que a armadura em forma de carro permite, mas que ele disfarça no contexto social.

É assim que, de repente, as pessoas magoam dizendo coisas impensadas. É assim que a gente se decepciona quando alguém se mostra diferente do modelo idealizado e construído por nós mesmos na superficialidade de relações, que não nos permitem ver o indivíduo tal qual ele verdadeiramente é, mas de acordo com a imagem que ele elaborou muitas vezes sob influência da mídia, da moda, ou do interesse do momento.

Vamos assim construindo modelos vazios e nos afastando da real beleza de viajar por meio de uma relação incrível entre pessoas que apenas são o que são, sem obrigações maiores do que a de mostrarem justamente suas contradições, suas peculiaridades, suas diferenças. Afinal, se aprendermos a conviver com o que o outro traz de diferente, aquilo que for "igual", vai facilmente aparecer pra sedimentar uma base real de convivência.

É no padrão normal que vai se impondo às nossas vidas, que esvaziamos a riqueza de conviver, aprender e se encantar com a riqueza do diverso.

É possível entender, conviver e gostar de quem pensa diferente da gente. Mesmo aquelas pessoas que, vez ou outra, com atitudes inusitadas, nos surpreendem com o que não enxergamos antes que eram.

Às vezes, temos que separar o que é atitude, o que é pessoa. Pois estamos vivendo e aprendendo a viver ao mesmo tempo. Neste aprendizado erramos e não podemos fazer da pessoa o seu erro. O jovem não deixou de ser gentil quando desceu do carro. Por mais que ele precise aprender a reconhecer sua dose de agressividade e trabalhá-la pra que isso não seja canalizado para o trânsito, ainda assim, ele não pode ser resumido àquele momento.

Somos mesmo este misto de contradições, o conjunto do que faço me define, quando visto no contexto de tempo e frequência. O que faço de forma isolada, os rompantes, os impulsos podem revelar algo que precisa ser processado, melhorado.

É preciso separar por isso a atitude da pessoa com o que é a pessoa. Minha filha com autismo me ensina isso a cada dia, quando seu comportamento (o autismo é uma síndrome que afeta o comportamento) difere claramente do que ela é. Nestes momentos, preciso orientar mostrando que o que ela está fazendo é feio, embora ela seja linda. Que aquela atitude não é legal, mas que ela é uma garotinha muito legal.

Dessa forma, vamos preservando as pessoas em sua auto-estima, vamos e orientando – e reforçando pelo exemplo – a modificação daquilo que não traz bem estar e felicidade, o que pode ser modificado para o seu bem e para o bem do grupo com quem convive.

Se assumirmos as nossas diferenças ao invés de mascará-las e pararmos de tentar uniformizar todo mundo no padrão normal, fica mais fácil expressar o que realmente somos e aceitar nossos erros como parte do processo que é a vida. Fica mais fácil entender pessoas, educar indivíduos, valorizar o diverso e conviver em paz.

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