O direito a ter direitos

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Aquilo que desejamos receber do mundo precisa ser do mesmo tamanho do que oferecemos. Caso contrário, gera uma desigualdade, um desequilibrio que vai trazer prejuízos para o contexto social, o coletivo que todos nós compomos. Eu posso exigir direitos quando faço por onde garantir direitos, e não é válido desejar que direito só prevaleça se me favorece.

Que não se confunda diversidade e diferenças com desigualdade. Não somos iguais, somos diversos. É natural que seja assim e, por isso mesmo, o respeito à diversidade é fundamental. Em teoria, parece óbvio e fácil de praticar, mas não é. Todos nós, ao nosso modo queremos mesmo é defender o interesse particular. O que é cômodo para mim vem antes do que é necessário para uma outra pessoa.

É nesse contexto de individualismos que encontro resistências quanto à inclusão da minha filha com autismo: nos ambientes onde predominam as pessoas que se dizem “competentes” ou se rotulam como “normais”. Não sei se é porque o autismo não se evidencia de uma forma clara como a maioria das deficiências, ou porque as pessoas estão tão voltadas para si mesmasque deixam de enxergar o que é uma necessidade ou dificuldade óbvia para outra pessoa.

Desta forma, as poucas conquistas que uma pessoa com deficiência tem assegurada por direito – medidas que asseguram aquilo que ela necessita – muitas vezes são vistas como privilégio. Não raramente, temos que lutar por algo que já está assegurado, como o direito ao atendimento preferencial.

O problema é que quase ninguém respeita a dificuldade apresentada por um autista, que se manifesta de forma invisível. Muitas vezes, minha filha vai desencadear uma crise e isso pode acontecer não ali na fila, mas em um momento diferente, seja em casa ou outro lugar. E é então ela vai demonstrar todo o seu descontrole em um comportamento que fere a ela e a quem assiste.

Aos olhos do mundo, ela é uma mocinha linda, uma jovem de 16 anos perfeitamente capaz de esperar sua vez. Internamente, há um mundo de sensações, ansiedade, emoções descontroladas, que sobrecarregam seu sistema sensorial já abarrotado pelos estímulos, e que ela não consegue organizar como as pessoas típicas fazem sem nem perceber.

Dá para educar o autista para a espera? Sim, muitas vezes é possível. Mas na grande maioria dos casos este “treinamento” precisa acontecer em ambiente terapêutico. E outras vezes, ele nunca vai dar resultado. Por isso existe a lei, que oferece condições especiais para as pessoas com “necessidades especiais”.

Nós, com dispositivos internos para lidar com a espera e as filas, podem e devem ser solidários. Devem entender que igualdade de direitos pode significar desigualdade de medidas.

Precisamos de direitos iguais, e o mais difícil é entender que direitos iguais para pessoas com condições diferentes significa considerar suas dificuldades, suas particularidades. Em nome da igualdade de direitos é preciso tratar o diferente de forma diferente. Não uniformizar, mas igualar. Entender que o tratamento que se dá ao diferente é não é o mesmo dado a todo mundo.

Somos humanos, e isso significa que precisamos de tratamentos diferentes para que todos usufruam de condições iguais. É uma pena que eu precise me encher de coragem cada vez que tomo lugar na fila preferencial, pois na maioria das vezes, vou ter que ouvir os comentários diretos ou indiretos. Ou ainda validar na voz e nos expor, só porque alguém julgou ou não compreendeu.

Quando estava grávida, também tive imensa dificuldade em exigir meu direito à preferência em filas, pois eu sabia que eu conseguia fazer tudo como fazia antes da gravidez. Um dia, a espera provocou uma queda de pressão e eu quase desmaiei. Foi quando minha médica me explicou que a dificuldade de circulação sanguínea é um imperativo para que a gestante não permaneça muito tempo em pé em uma mesma posição. Entendi, então, o direito à prioridade como uma necessidade, não um agrado. E não cabe definitivamente a mim julgar o outro por sua aparente competência.

Gostaria muito que as pessoas refletissem sobre isso e ajudassem a criar hábitos mais inclusivos, pois é isso que no final vai resultar em um coletivo mais fraterno e menos violento.

A paz que todos ansiamos pode começar com pequenas concessões do nosso comodismo. Quando nos informamos um pouco, compreendemos muito mais. E esse entendimento irá impactar – e muito – a vida de alguém que luta bravamente com impedimentos que pouca gente é capaz de imaginar.

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