A tecnologia pode ser uma ferramenta de inclusão?

Na minha área de atuação: educação e consultoria em acessibilidade e inclusão, muitas pessoas me perguntam como a tecnologia entrou na minha vida

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Na minha área de atuação: educação e consultoria em acessibilidade e inclusão, muitas pessoas me perguntam como a tecnologia entrou na minha vida e se surpreendem ao ver uma pessoa com deficiência visual utilizando as novas tecnologias e fazendo disso uma ferramenta útil para o seu dia a dia.

De acordo com dados do Censo do IBGE em 2010, assim como eu, 45,6 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência e, portanto, algumas limitações, necessidades especiais etc. E a tecnologia pode ser uma grande aliada na superação dos limites e desafios cotidianos.

Desde nova, sempre gostei de tecnologia. Sempre fui muito curiosa, mas minha maior necessidade veio com os estudos e o trabalho. Na escola e na faculdade, foi bem difícil, pois não havia tantas tecnologias disponíveis e o acesso à informação era restrito. Além do preconceito e das dificuldades propriamente ditas em ler, escrever, copiar do quadro, participar das atividades esportivas etc., tinha a dificuldade de locomoção e localização. Por exemplo, era muito difícil utilizar o transporte público. Era preciso o auxílio de outras pessoas para saber se meu ônibus estava no ponto. Hoje, já há aplicativos que nos ajudam neste sentido, com avisos sonoros, por exemplo.

Para terem uma ideia, já tirei zero numa prova do ensino médio por pedir a um colega para ler as questões no quadro para mim, pois o professor achou que estivéssemos colando. E o pior, o colega também ficou com zero! Mas isso é uma outra história que contarei para vocês em outra oportunidade!

Outra grande dificuldade veio com a minha entrada no mercado de trabalho. Além da dificuldade em ler, escrever, datilografar, me locomover e me localizar, havia o preconceito, que era imenso. Já fui demitida de empregos e estágios por ser ter deficiência visual. Como, nesta época, minha visão residual era maior, as pessoas não notavam minha deficiência com tanta facilidade e só percebiam, mais claramente, quando me viam trabalhar, ou seja, realizar as tarefas diárias. Tive um patrão que me demitiu por não aguentar me ver trabalhar daquela maneira tão penosa (palavras dele). Muitas empresas achavam, e ainda acham, que é mais fácil demitir ou não contratar, do que se adaptar ou disponibilizar tecnologias.

A falta das tecnologias assistivas que pudessem facilitar meu trabalho e a falta de informação e acesso me faziam encontrar diversas barreiras quase intransponíveis.

Diante deste cenário, não desisti. Assim como tantas outras pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro, precisei me adaptar, me reinventar e fui buscando formas de tornar meu trabalho, estudo e vida em geral mais fácil. A cada dia, procuro novidades que possam auxiliar a mim e às demais pessoas com alguma necessidade especial. Na busca de ajudar as pessoas e promover sua inclusão na sociedade de forma digna e verdadeira, a tecnologia surgiu como um caminho, uma ferramenta de inclusão.

Existem muitas tecnologias assistivas, desde cadeiras de rodas até leitores de tela, mas nos esbarramos nos altos custos. Apesar de haver tecnologias assistivas gratuitas, como o leitor de telas DOSVOX e uma linha de crédito no Banco do Brasil para aquisição destes equipamentos com juros baixos, a grande maioria dessas tecnologias ainda estão fora do alcance de muitos brasileiros. Posso citar como exemplo um escâner que converta um texto em áudio (R$ 15 mil), uma linha Braile para acoplar ao computador para a leitura da tela em Braile (R$ 5 mil), uma bengala eletrônica/digital (R$ 5 mil), isso só falando em deficiência visual. Mas para todas as deficiências há tecnologias assistivas, como computador manipulado pelos olhos, próteses, cadeiras motorizadas e assim por diante. O problema ainda é o custo proibitivo de tais tecnologias.

Com o alto custo das tecnologias assistivas e a impossibilidade de consegui-las junto aos governos, muitas adaptações e tecnologias inovadoras de menor custo estão sendo feitas. Uma pessoa com deficiência visual pode, por exemplo, utilizar um aplicativo em seu celular ou tablet para escanear um texto e convertê-lo em áudio; digitar apenas com a voz; utilizar seu celular somente com comando de voz etc. Pode, ainda, utilizar aplicativos para se localizar, se locomover, se comunicar, estudar, trabalhar e se divertir! Isso mesmo! O entretenimento faz parte da vida de todas as pessoas e a pessoa com deficiência também quer se divertir. Também tem direito ao lazer.

É possível assistir a filmes e peças de teatro com audiodescrição ou legendas com aplicativos específicos no celular. É possível utilizar aplicativos para saber mais sobre lugares acessíveis, tais como cidades, hotéis, restaurantes e passeios que possuem acessibilidade.

Uma pessoa surda pode se comunicar com ouvintes, e vice-versa, por meio de aplicativos como o Prodeaf.

Alguém com deficiência intelectual ou paralisia cerebral pode se comunicar por meio de aplicativos também. Uma pessoa tetraplégica ou com mobilidade muito reduzida pode usar computadores e dispositivos moveis com a voz, e assim por diante.

E muitos desses aplicativos são gratuitos e exigem pouco de seus dispositivos.

Além dos aplicativos para dispositivos móveis, há uma série de outras tecnologias, tais como impressora 3D, realidade aumentada, gadgets vestíveis, internet das coisas, games, segunda vida, segunda tela e muito mais.

Por exemplo, uma pessoa que não tem as mãos ou os pés, como escrevi num artigo recente para a Revista Tecnologia para Todos, pode ter uma prótese feita em impressoras 3D, inclusive com personalização, tornando-a quase uma obra de arte! As crianças, por exemplo, podem até utilizar personagens de desenhos.

Para muitas pessoas, isso ainda é difícil, mas o maior problema é a falta de acesso à informação sobre a existência dessas tecnologias. Este projeto da prótese impressa em impressoras 3D é realizado por uma comunidade internacional, e as próteses saem muito barato: cerca de 20 a 50 dólares!

Quem descobre o potencial da tecnologia para a inclusão fica maravilhado. A possibilidade de uma pessoa com mobilidade reduzida controlar sua casa, acessando portas, luzes, gás, janelas etc. somente com a voz, por meio de seu próprio celular, é fantástica. Um grupo de estudantes de Maricá, no Rio de Janeiro, criou um aplicativo para celular que, conectado pela nuvem ao motores e controles físicos espalhados pela casa, cumpre perfeitamente esta função. E o custo foi baixíssimo!

No caso dos aplicativos, a solução está na palma da mão!

E o uso das tecnologias para a acessibilidade e inclusão só tende a crescer no Brasil e no mundo. Mas, para isso, é preciso que as escolas, universidades, governos, empresas e sociedade se unam para incentivar, apoiar, financiar projetos desse tipo. Alunos do ensino médio e universitário em diversos lugares do Brasil desenvolvem projetos incríveis, assim como start-ups, empreendedores sociais, ONGs etc., e é preciso apoiar isso! Seja com o incentivo e o conhecimento nas instituições de ensino, pelo financiamento de governos, empresas e pessoas, seja por espaços de pesquisa cedidos, mais divulgação pelas mídias, etc. O caminho a ser seguido já está delineado; basta irmos em frente!

Criar premiações, concursos, feiras, gincanas e mostras traz visibilidade e propaga a temática, fazendo com que mais alunos, instituições, empresas, governos e a própria sociedade organizada se motive a contribuir e participar.

Mas volto a tocar no ponto da falta de acesso à informação. Este é um dos grandes gargalos tecnológicos e da inclusão no Brasil. Não apenas o preconceito, o alto custo, a falta de investimentos, mas a falta de informação nos leva a ignorar não somente a existência de determinadas minorias, como de certas tecnologias e possibilidades que tornariam nossa sociedade mais justa e mais inclusiva.

Neste sentido, de levar mais informações, de difundir o tema, de ajudar e orientar pessoas com e sem deficiências, empresas e a sociedade em geral, bem como de cobrar do poder público maior atenção ao tema, que surgiu o Congresso de Acessibilidade em 2014. O evento foi o primeiro do Brasil e das Américas a tratar do tema num formato online, gratuito e totalmente acessível, pois além de uma linguagem descomplicada e de uma plataforma fácil de usar, como o YouTube, traz conteúdos em vídeos com legenda, Libras e audiodescrição, para que seja acessível a todos.

A terceira edição já está sendo planejada com muito carinho, e está prevista para acontecer no final do segundo semestre deste ano. Participe!

Quando levamos informações às pessoas, damos a elas o poder de mudar, abrimos uma porta para um mundo onde o sol brilha para todos.

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