Tire o pé do passado

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A raiz do preconceito e da exclusão social das pessoas com deficiência está de certa forma ligada a uma cultura que se originou em uma época em que os homens precisavam caçar, plantar, construir suas casas, arar seus terrenos, defender sua propriedade, conquistar com suor e muito esforço sua subsistência. Foram séculos de formação de uma sociedade que atribuía a seus indivíduos o valor de sua utilidade. Desta forma, idosos, doentes, pessoas com deficiência eram considerados inúteis para o grupo maior, não era possível dispensar a eles o tempo e a dedicação que precisava ser empregada na luta pela sobrevivência.

Neste contexto, quem não era útil era um peso, e por muito tempo esta forma de atribuir valor às pessoas foi se incorporando à cultura geral. À medida que pessoas do grupo social puderam ser liberadas do trabalho mais pesado, graças ao lento avanço das tecnologias, puderam-se incorporar ações de acolhimento de forma assistencial, ligadas primeiramente à benemerência dos grupos religiosos e assim cuidar dos “incapazes” era um ato de caridade, de bondade.

Muitas foram as mudanças que fizeram aos poucos a substituição dos conceitos de valor de uma pessoa ao longo dos séculos. Olhando para o passado distante é possível ver o quanto melhoramos. Porém, ao olharmos para o presente, constatamos que a tecnologia evoluiu mais que os valores gerais. Estamos a caminho, mas não podemos deixar de refletir e continuar avaliando, mudando e ampliando a nossa visão para além destes aspectos externos que ainda contam tanto.

Quanto vale uma vida? Se é que precisamos atribuir valor a alguém, este valor passa muito mais pelo sentido que a vida traz em si mesma, do que propriamente ao que o indivíduo produz ou expressa. Para dimensionar isso, basta pensar em alguém que você perdeu, que saiu da sua vida levado pela morte. Aquela pessoa que mesmo distante, mesmo ausente da convivência diária, ocupava um lugar na sua rede de relações, era um personagem da sua especial e particular história de vida. Este lugar que agora está vazio e a saudade que te traz, tem o tamanho do valor desta existência que se foi.

Quanto vale uma pessoa e tudo o que ela viveu, aprendeu e tudo o que é capaz de ensinar? Pense nisso quando algum diferente cruzar o seu caminho. Quando sua empresa contratar um “especial” ou sua escola incluir alguém com uma deficiência qualquer e você sentir ainda que de leve, um incômodo diante das novas posturas que terá que assumir, dos novos códigos que terá que aprender para identificar naquela pessoa, o colega, o aluno, o amigo. Alguém que não é nem melhor nem pior, não é mais e nem menos interessante que qualquer outro ser humano que faz parte da sua vida.

Questionar a forma como encaramos as diferenças é uma atitude corajosa. É também crescimento e maturidade e talvez mais que isso, é se conectar a uma onda de mudanças que só nos fará melhores, mais leves e mais flexíveis. Se o fato de se prender a ideias antigas é considerado antiquado, rever atitudes e incorporar novas posturas é mais que ser atual, é ser coerente com a dinâmica de mudanças constantes, é ser gente.

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