Vida de cadeirante

Muita gente imagina que a cadeira de rodas é sinônimo de dependência. Ao contrário: para o cadeirante, a cadeira de rodas é sinônimo de liberdade.

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Muita gente imagina que a cadeira de rodas é sinônimo de dependência. Ao contrário: para o cadeirante, a cadeira de rodas é sinônimo de liberdade. Afinal, é esse equipamento que garante à pessoa com deficiência física um dos direitos mais importantes de qualquer ser humano: o direito de ir e vir.

Desde 2015, passei a trabalhar em Brasília com uma cadeira de rodas motorizada. Agora, diferente de ter minha cadeira empurrada por alguém, eu faço meu caminho. Essa autonomia, que para muita gente pareceu repentina, é fruto de um trabalho de longa data com o meu braço, por meio de eletroestimulação, fisioterapia e muitos exercícios simples, constantes e repetitivos, como, por exemplo, pendurar o braço em tecidos presos ao teto e às paredes de casa.

Resgatar esse movimento do meu braço, por mais sutil que ele pareça, envolveu uma série de fatores. Mas o principal, pois sem ele nada disso seria possível, foi o de acreditar no potencial do meu corpo. Eu nunca aceitei ter uma musculatura atrofiada por ser tetra.

A nossa cadeira de rodas guarda nossa história, nossas possibilidades de ir e vir, nossos esforços, inclusive financeiros, para ter acesso a este equipamento. Infelizmente, sabemos o quão difícil ainda é para uma pessoa com deficiência ter acesso a uma cadeira de rodas decente.

Em alguns estados brasileiros, as pessoas aguardam até cinco anos por uma cadeira de rodas. E quando conseguem ter acesso a uma, o equipamento – entregue sem a devida adaptação – já não serve mais para o corpo e a idade atual da pessoa. Não por acaso, essa população acaba contraindo infecção e escaras enquanto aguardam, muitas vezes acamada, por uma cadeira que se adapte ao seu corpo e necessidade.

O mais triste é que muitas dessas pessoas passam a vida toda sem acesso à educação, à saúde, ao trabalho e qualquer outro direito. Tudo isso porque não conseguem sair de casa. E, muitas vezes, quando conseguem as calçadas em péssimo estado não ajudam na circulação. Não por acaso, nas grandes periferias do Brasil, a qualidade de vida da pessoa com deficiência costuma despencar. Sem calçada para circular, oferta de transporte público de qualidade e acesso à reabilitação, a situação fica muito difícil.

Segundo dados do Banco Mundial, a pobreza e seus fatores são um dos causadores de grande parte das deficiências no mundo. Prova disso está nos países em desenvolvimento, onde 80% das pessoas com deficiência vivem em situação de vulnerabilidade social. Infelizmente, o Brasil se enquadra neste cenário, pois ostenta uma das piores políticas de distribuição de órteses e próteses do mundo.

Durante minha vida de tetra, eu tive o privilégio de ter algumas cadeiras que me possibilitaram trabalhar, ter uma vida ativa e ser saudável. Cada uma, a seu modelo, marcou uma fase diferente da minha vida. Em cada uma delas há o registro do avanço do meu corpo, da minha saúde e, principalmente, da minha luta para recuperar movimentos. Prova maior disso é não ter condicionado a minha felicidade ao fato de estar em uma cadeira de rodas. Dessa forma, sigo o meu caminho – sobre rodas e feliz.

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